segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Tragando seus dias


À caminho de casa ele joga o resto de cigarro fora. Prepara-se para acender outro. Não é o bastante. São tantos problemas, a vida é tão complicada. Enche os pulmões da fumaça nociva, a mente cheia de preocupações, prazos a cumprir, contas a pagar. Uma nova tragada, os problemas não desapareceram, mas já não aperta mais ansioso a direção como antes. O vidro está baixo, joga a fumaça fora, expele um pouco de seus dias, a custo da tentativa de calar seus dilemas. Não é o suficiente, nunca é o bastante. É o fim do primeiro maço, só a metade do dia. Ainda tem que chegar em casa, ver a esposa, os filhos, às vezes queria não tê-los, mas sabe que são a única coisa de valor que tem realmente. O estoque acabou, deve comprar mais, depois do almoço? Não, agora. Vai tomar o cafezinho e voltar ao trabalho já com um novo cigarro na mão. Esvair sua existência em fumaça. A esposa reclama do cheiro, ele tosse. Almoça, o tempo é contado e os cigarros aceleram o relógio da vida. Beija a esposa, dá adeus aos filhos. Pega o maço, pega carteira. Volta, se esqueceu das chaves do carro. Acende mais um, dessa vez esse não consome os dias comuns, esse maço de agora consome o dia em que conheceria seus netos, os de antes já não o deixarão vê-los crescer. Alimenta o monstro. O vício acalma os pensamentos e atiça o seu algoz antes silencioso e que agora se comunica através de tosses e pigarros.
                O tempo passa. Mais um cigarro, menos alguns dias na conta da sua vida. Pensa em parar, em tomar só o café, mas não é  o suficiente, nunca é o bastante.  Acaba o dia, traga as expectativas de um futuro já com idade avançada, descansando em casa. Traga o beijo da esposa e a formatura dos filhos. Pensa em parar, hoje não. Tosse. Já é noite, joga o resto de cigarro fora, abre o maço, acabou. Compra outro, deve estar abastecido, vai fumar assim que acordar, para começar o novo dia, para perder tantos outros.